Catirina e Pai Francisco: conheça a história dos personagens, símbolos do período junino no Maranhão
A história de Catirina e Pai Francisco é considerada um dos enredos essenciais na tradição do bumba meu boi, no estado. Bumba Meu Boi Davi Mello/Divulgação No rico universo do folclore maranhense, o período junino se destaca ao apresentar histórias e ritos singulares, estimados pela população e prosseguidos em diversas manifestações culturais. Apreciada e evocada com destaque, a história de Catirina e Pai Francisco define, com particularidade, a simbologia das festas de bumba meu boi no estado. Compartilhe esta notícia no WhatsApp Compartilhe esta notícia no Telegram A narrativa, cujo enredo inclui elementos de paixão, humor, moralidade e sacrifício, é basilar, ao retratar, de forma alegórica, as origens e a influência da celebração do bumba meu boi na cultura popular. Mito e tradição popular “Ai, Catirina! Poupa esse boi”, diz o lamento entoado no refrão de “Catirina”, êxito musical de autoria do compositor Josias Sobrinho, gravado, ao fim dos anos 1970, pelo cantor e percussionista, Papete. A canção expressa o desejo de Catirina – grávida, como retrata o folguedo –, em comer a língua de um boi. O novilho, contudo, é tido em alta conta pelo amo da fazenda [chefe da propriedade] em que a jovem e seu marido, Pai Francisco, trabalhavam, escravizados, à época do período colonial brasileiro. A insistência de Catirina, porém, vincula-se à tradição popular que orienta o cumprimento dos desejos de gestantes, sob a condição de que as crianças esperadas não tenham problemas ou padeçam com mau agouro. Pai Francisco, conforme reza o dito popular, não teve outra escolha senão selar o destino do boi, para agradar a amada, às custas de aborrecer o patrão. Grupo de bumba meu boi durante apresentação Brawny Meireles O sacrifício do animal foi sentido pelo fazendeiro, que ameaçou de morte Catirina e Pai Francisco, caso não fosse possível cessar a agonia do boi, ferido de morte. A história, em sua moral, traz um desfecho satisfatório aos personagens: pajés e curandeiros, convocados para trazer o boi à vida, ressuscitaram-no. Catirina e Pai Francisco, por sua vez, foram poupados. O urro do gado, já restituído, pôs a fazenda em cantoria e festa, a partir de então. Bumba meu boi e tradição literária Celebrado em todo o Brasil sob diferentes denominações, o bumba meu boi traz, em sua estrutura simbólica, elementos dos autos teatrais, principiados durante a Idade Média. Na literatura, o termo “auto” é originário do gênero literário definido como “auto sacramental”, popular entre os séculos XIV a XVIII, e constituído por alegorias e elementos dramáticos, empregados para retratar cenas e personagens relacionados à temática religiosa. Em entrevista ao g1 Maranhão, o jornalista, pesquisador e teatrólogo, Américo Azevedo Neto, argumenta que a essência do mito de Catirina e Pai Francisco pode ser expressa como “dança dramática”, conforme a definição empregada pelo poeta modernista e pesquisador, Mário de Andrade, em seu estudo, “Danças Dramáticas do Brasil”. Segundo Azevedo Neto, a lenda também pode ser associada ao período econômico brasileiro havido entre os séculos XVII a XVIII, denominado de “Ciclo do Gado”. “A criação de Pai Francisco e Catirina; a criação do auto do boi, que Mário de Andrade, há mais de 100 anos, registrou como dança dramática, não tem geração espontânea. Trata-se de auto, na sua concepção original, com todas as características de um auto. Assinado por Gil Vicente [dramaturgo e poeta português da Idade Média], seria inteiramente pertinente. Então, historicamente, a criação de Pai Francisco e Catirina é a criação de dois personagens de um auto, criado, possivelmente, com intenções catequéticas”, argumenta. Fé na dança A dança e a música, nas representações de Chico e Catirina, compõem a experiência cultural relacionada ao folclore do bumba meu boi. A festa, no Maranhão, desde a sua origem, além de sincretizar elementos de matriz africana, indígena e ibérica, contém, em seus ritos fundamentais, associações com datas religiosas, como 13 de junho (dia de Santo Antônio), 24 de junho (dia de São João), 29 de junho (dia de São Pedro) e 30 de junho (dia de São Marçal). Brincantes de grupos de bumba meu boi se reúnem em frente ao largo da capela de São Pedro. Divulgação/Pedro Sobrinho A substância religiosa presente no enredo de Catirina e Pai Francisco, e nos autos de Bumba Meu Boi, sintonizam um mesmo teor sacro. Em sua origem, os grupos tradicionais de bumba meu boi o faziam como “pagamento” de promessas a São João, ou ao zelo pelo “apadrinhamento” do santo aos bois. O sacrifício do animal, portanto, na história de Catirina e Pai Francisco, violaria o desejo do amo em sacrificá-lo, em um ato de devoção a São João. “A importância da dança e dos cantos, era não só em relação a Catirina e Pai Francisco, mas em relação ao boi e ao auto, como um todo. [O enredo] se referia à manifestação cultural como um todo”, avalia Américo Azevedo Neto. Catirina, Pai Francisco e as novas gerações Embora com componentes dos aut
A história de Catirina e Pai Francisco é considerada um dos enredos essenciais na tradição do bumba meu boi, no estado. Bumba Meu Boi Davi Mello/Divulgação No rico universo do folclore maranhense, o período junino se destaca ao apresentar histórias e ritos singulares, estimados pela população e prosseguidos em diversas manifestações culturais. Apreciada e evocada com destaque, a história de Catirina e Pai Francisco define, com particularidade, a simbologia das festas de bumba meu boi no estado. Compartilhe esta notícia no WhatsApp Compartilhe esta notícia no Telegram A narrativa, cujo enredo inclui elementos de paixão, humor, moralidade e sacrifício, é basilar, ao retratar, de forma alegórica, as origens e a influência da celebração do bumba meu boi na cultura popular. Mito e tradição popular “Ai, Catirina! Poupa esse boi”, diz o lamento entoado no refrão de “Catirina”, êxito musical de autoria do compositor Josias Sobrinho, gravado, ao fim dos anos 1970, pelo cantor e percussionista, Papete. A canção expressa o desejo de Catirina – grávida, como retrata o folguedo –, em comer a língua de um boi. O novilho, contudo, é tido em alta conta pelo amo da fazenda [chefe da propriedade] em que a jovem e seu marido, Pai Francisco, trabalhavam, escravizados, à época do período colonial brasileiro. A insistência de Catirina, porém, vincula-se à tradição popular que orienta o cumprimento dos desejos de gestantes, sob a condição de que as crianças esperadas não tenham problemas ou padeçam com mau agouro. Pai Francisco, conforme reza o dito popular, não teve outra escolha senão selar o destino do boi, para agradar a amada, às custas de aborrecer o patrão. Grupo de bumba meu boi durante apresentação Brawny Meireles O sacrifício do animal foi sentido pelo fazendeiro, que ameaçou de morte Catirina e Pai Francisco, caso não fosse possível cessar a agonia do boi, ferido de morte. A história, em sua moral, traz um desfecho satisfatório aos personagens: pajés e curandeiros, convocados para trazer o boi à vida, ressuscitaram-no. Catirina e Pai Francisco, por sua vez, foram poupados. O urro do gado, já restituído, pôs a fazenda em cantoria e festa, a partir de então. Bumba meu boi e tradição literária Celebrado em todo o Brasil sob diferentes denominações, o bumba meu boi traz, em sua estrutura simbólica, elementos dos autos teatrais, principiados durante a Idade Média. Na literatura, o termo “auto” é originário do gênero literário definido como “auto sacramental”, popular entre os séculos XIV a XVIII, e constituído por alegorias e elementos dramáticos, empregados para retratar cenas e personagens relacionados à temática religiosa. Em entrevista ao g1 Maranhão, o jornalista, pesquisador e teatrólogo, Américo Azevedo Neto, argumenta que a essência do mito de Catirina e Pai Francisco pode ser expressa como “dança dramática”, conforme a definição empregada pelo poeta modernista e pesquisador, Mário de Andrade, em seu estudo, “Danças Dramáticas do Brasil”. Segundo Azevedo Neto, a lenda também pode ser associada ao período econômico brasileiro havido entre os séculos XVII a XVIII, denominado de “Ciclo do Gado”. “A criação de Pai Francisco e Catirina; a criação do auto do boi, que Mário de Andrade, há mais de 100 anos, registrou como dança dramática, não tem geração espontânea. Trata-se de auto, na sua concepção original, com todas as características de um auto. Assinado por Gil Vicente [dramaturgo e poeta português da Idade Média], seria inteiramente pertinente. Então, historicamente, a criação de Pai Francisco e Catirina é a criação de dois personagens de um auto, criado, possivelmente, com intenções catequéticas”, argumenta. Fé na dança A dança e a música, nas representações de Chico e Catirina, compõem a experiência cultural relacionada ao folclore do bumba meu boi. A festa, no Maranhão, desde a sua origem, além de sincretizar elementos de matriz africana, indígena e ibérica, contém, em seus ritos fundamentais, associações com datas religiosas, como 13 de junho (dia de Santo Antônio), 24 de junho (dia de São João), 29 de junho (dia de São Pedro) e 30 de junho (dia de São Marçal). Brincantes de grupos de bumba meu boi se reúnem em frente ao largo da capela de São Pedro. Divulgação/Pedro Sobrinho A substância religiosa presente no enredo de Catirina e Pai Francisco, e nos autos de Bumba Meu Boi, sintonizam um mesmo teor sacro. Em sua origem, os grupos tradicionais de bumba meu boi o faziam como “pagamento” de promessas a São João, ou ao zelo pelo “apadrinhamento” do santo aos bois. O sacrifício do animal, portanto, na história de Catirina e Pai Francisco, violaria o desejo do amo em sacrificá-lo, em um ato de devoção a São João. “A importância da dança e dos cantos, era não só em relação a Catirina e Pai Francisco, mas em relação ao boi e ao auto, como um todo. [O enredo] se referia à manifestação cultural como um todo”, avalia Américo Azevedo Neto. Catirina, Pai Francisco e as novas gerações Embora com componentes dos autos religiosos em sua estrutura, a lenda de Catirina e Pai Francisco passou por diversificações de enredo e conteúdos, historicamente. O aspecto regional também produziu alterações no motivo condutor da história, conhecida e retratada em diversos estados brasileiros. A aderência dos grupos de bumba meu boi do Maranhão ao “mito fundador” da festa, no Maranhão, de acordo com Américo Azevedo Neto, acompanha um processo de transformação similar. Os temas dos conjuntos folclóricos, afirma o pesquisador, se ampliaram, sem, no entanto, haver o esquecimento da história e o seu repasse às novas gerações. “A lenda de Catirina tem sido preservada esse tempo todo, como toda manifestação cultural é preservada: enquanto não há um volume maior de informações. Agora, a história já não é contada com mesma frequência, porque os grupos de bumba meu boi vêm sofrendo as alterações normais, que toda manifestação folclórica viva sofrem”, sentencia Azevedo Neto, ao descrever as mudanças ocorridas nas temáticas trabalhadas pelos conjuntos folclóricos.